Em 9 de Março de 1821, as Cortes
extraordinárias e Constituintes «decretam e reconhecem»
as «bases» da futura «Constituição política». Essas
bases constam de um preâmbulo e de 37 artigos nos quais
se consagram direitos, se reconhecem garantias e se
fixam princípios de «liberdade».
A «declaração de direitos»
começa por enfocar os direitos de «liberdade,
segurança e propriedade de todo o cidadão»
(artigo 1.º) e individualizar garantias
materiais e processuais no âmbito do direito
criminal (artigos 5.º e 12.º). O direito de
propriedade é garantido e sacralizado («a
propriedade é um direito sagrado e inviolável»),
só podendo ser sacrificado em caso de
«necessidade pública e urgente» e mediante
«prévia indemnização nos termos da lei» (artigo
2.º).
A garantia da «livre comunicação de pensamentos»
é considerada como «um dos mais preciosos
direitos do homem» (artigo 8.º), embora se
preveja a responsabilidade em caso de abuso
(artigos 8.º e 9.º) e se tolere a «censura dos
matérias religiosas» (artigo 1.º).
Numa ruptura decisiva com a ordem
nobiliárquico-feudal-clerical, as «bases» insistem no
princípio da igualdade da lei, proibindo privilégios de
foro e assegurando a igualdade dos cidadãos no acesso e
admissão aos cargos públicos (artigo 13.º). Finalmente,
enumeram-se os direitos de reclamação, queixa e petição
de todo o cidadão (artigo 14.º).
Os artigos 16.º e 37.º destinam-se
ao estabelecimento das bases político-constitucionais da
«Nação Portuguesa, sua Religião, Governo e Dinastia».
Os princípios jurídico-políticos
estruturantes do Estado constitucional liberal são
claramente formulados: princípio da soberania nacional
(artigos 20.º e 21.º), princípio da divisão de poderes
(artigo 23.º), princípio da representação nacional
(artigo 24.º), princípio da forma monárquica de governo
(artigo 29.º), princípios da inviolabilidade do rei e da
responsabilidade ministerial (artigos 18.º e 19.º e
31.º), princípio da proporcionalidade dos impostos
(artigo 34.º).
OS PRINCÍPIOS ESTRUTURANTES
A organização do poder político
engendrada pelos constituintes vintistas respeita os
princípios básicos defendidos pelas doutrinas liberais:
1. O princípio da soberania
nacional - «A soberania reside essencialmente em a
Nação», prescrevia o artigo 26.º da Constituição. Por
sua vez, o artigo 20.º avançava uma definição de nação:
«União de todos os portugueses de ambos os hemisférios».
A «soberania» da nação é única,
indivisível e inalienável.
2. O princípio da representação -
A soberania da nação «não pode porém ser exercitada
senão pelos seus representantes legalmente eleitos»
(artigo 26.º).
3. O princípio da independência de
poderes - os poderes políticos são o «legislativo,
executivo e judicial» e «cada um destes poderes é de tal
maneira independente que um não poderá arrogar a si as
atribuições do outro» (artigo 30.º).
Para além destes princípios
estruturantes, outros são merecedores de atenção: a
supremacia das Cortes Legislativas; a existência de uma
monarquia com redução dos poderes do rei; a união real
com o Brasil; a ausência de liberdade religiosa.
Quanto aos poderes políticos, o
poder legislativo passou a ser da competência das
cortes, que elaboravam as leis. Estas, constituídas por
uma só câmara, eram formadas pelo conjunto dos deputados
eleitos pela nação («união de todos os portugueses»).
O poder executivo era exercido
pelo rei, a quem competia a chefia do governo, a
execução das leis e a nomeação e demissão dos
funcionários do Estado. No entanto, o rei tinha apenas
veto suspensivo sobre as cortes, podendo suspender a
promulgação das leis de que discordava, mas sendo
obrigado a promulgá-las desde que as cortes assim o
voltassem a deliberar. Ao rei não era dado o poder de
dissolver as cortes. Em situações especiais, o rei era
aconselhado, pelo Conselho de Estado, cujos membros eram
eleitos pelas cortes, e coadjuvado pelos secretários de
Estado, directamente responsáveis pelos actos do
governo.
O poder judicial pertencia, exclusivamente, aos juízes,
que o exerciam nos tribunais.
No respeitante, ao corpo
eleitoral, e de acordo com o artigo 34º da Constituição,
podiam votar, para eleger os representantes da nação
(deputados), os varões maiores de 25 anos que soubessem
ler e escrever. Não podiam, contudo, exercer esse
direito as mulheres, os analfabetos, os frades e os
criados de servir.
Joaquim Matias da Silva
(Texto elaborado a
partir da História de Portugal, direcção de José Mattoso,
Círculo de Leitores,
e do
CD - ROM da
História Universal de Portugal, Texto Editora)