Mulher sensual e inteligente, Blimunda de Jesus é
"baptizada" de Sete-Luas pelo padre Bartolomeu de Gusmão
("Tu és Sete-Sóis porque vês às claras, (...)
Blimunda,
que até ai só se chamava, como sua mãe, de Jesus, ficou
sendo Sete-Luas, e bem baptizada estava, que o baptismo
foi de padre, não alcunha de qualquer um" - pág.94),
conhece Baltasar quando assiste à partida de sua mãe,
acusada de feitiçaria, cumprindo a pena de 10 anos
de degredo, em Angola.
Dotada de poderes
invulgares, como a mãe, “escolhe” Baltasar para
partilhar a sua vida, numa existência de amor pleno, de
liberdade, sem compromissos e sem culpa. O amor puro e
verdadeiro que os une foge às convenções, subvertendo a
moral tradicional e entrando no domínio do maravilhoso -
cf. primeira noite de amor (página 57).
Blimunda tem um dom: vê o interior
das pessoas quando está em jejum, herdou da mãe
um "outro saber" e integra-se no projecto da
passarola, porque, para o engenho voar, era
preciso "apanhar" vontades, coisa que só
Blimunda, com o seu poder mágico, era capaz de
fazer. Assim, Blimunda representa o
transcendente e a inquietação constante do ser
humano em relação à morte, ao amor, ao pecado e
à existência de Deus.
O seu dom
particular transfigura esta personagem, aproximando-a da
espiritualidade de música de Scarlatti e do sonho de
Bartolomeu de Gusmão.
Blimunda é, simultaneamente, uma personagem que releva
do domínio do maravilhoso, pelo dom que tem de ver "o
interior" das pessoas (poder que nunca exerce sobre
Baltasar: "Nunca te olharei por dentro" - página 57),
porque amar alguém é aceitá-lo sem reservas. Blimunda
encerra uma dimensão trágica na vivência da morte de
Baltasar.
Simbolicamente, o nome da personagem acaba por funcionar
como uma espécie de reverso do de Baltasar. Para além da
presença do sete, Sol e Lua completam-se, são a luz e a
sombra que compõem o dia - Baltasar e Blimunda são, pelo
amor que os une, um só.
A relação entre os dois é também subversiva, porque não
existe casamento oficial e porque os dois têm os mesmos
direitos, facto inverosímil em pleno século XVIII.
Segundo a opinião de Gloria Hervás Fernández “como
outras personagens femininas de Saramago, também
Blimunda tem uma grande firmeza interior, uma forma de
oferecer-se em silêncio e de aceitar a vida e os seus
desígnios sem orgulho nem submissão, com a naturalidade
de quem sabe onde está e para quê”.